Praticamente todas as vertentes do Cristianismo tradicional guardam um dia
específico como sagrado, sendo dedicado exclusivamente ao descanso e aos
trabalhos religiosos. O Catolicismo e o Protestantismo reservam o domingo e
outras denominações preferem o sábado.
Esse dia obrigatório para descanso e oração dentro do Cristianismo tem a sua
origem no Shabat hebraico que ainda hoje é praticado pelos Judeus, começando a
partir do pôr-do-Sol da sexta feira até o pôr-do-Sol do sábado. Entretanto, o
Shabat não significa apenas um período de descanso comum é um período exclusivo
de adoração e comunhão com Deus em que são suspensas todas as atividades
cotidianas, já que essa palavra tem relação com o verbo hebraico Shavat que
significa “cessar”, “parar”. [1]
O Catolicismo não adotou o Shabat, pois entendeu que a observação do sábado era
uma determinação exclusiva para o povo Judeu (Êxodo 31:16) e optou por
estabelecer o dia de domingo como o dia do Senhor na nova aliança, pois é o dia
que consideram como sendo o da ressurreição de Jesus. A reforma protestante
continuou a adotar o domingo como dia sagrado. Posteriormente, movimentos
religiosos surgidos depois da reforma adotam uma postura restauracionista, quer
dizer, acreditam estarem vivenciando plenamente a Lei divina restaurando a
guarda do Shabat no Cristianismo.
O Espiritismo, apesar de ser tambem uma ramificação Cristã não observa nenhum
dia de descanso e oração em especial. Todavia, respeita o posicionamento e a
liberdade de crença das demais religiões Cristãs. Entretanto, como os nossos
irmãos Sabatistas [2] acreditam que guardar o sábado é essencial para a
salvação, pois faz parte das ordenanças dos dez mandamentos, questionam os
espíritas com relação ao Shabat já que Allan Kardec adotou os Dez Mandamentos
como Lei divina e por isso mesmo invariável.
Kardec no primeiro capítulo de “O Evangelho Segundo o Espiritismo” afirma que a
Lei mosaica é constituída de duas partes distintas: “A Lei de Deus, promulgada
no monte Sinai, e a Lei civil, ou disciplinar, estabelecida por Moisés”. A Lei
de Deus são os Dez mandamentos que têm caráter divino enquanto a outra foi
estabelecida para regular e disciplinar a vida em sociedade e, para ser
realmente obedecida pelo povo, foi-lhe atribuída uma origem divina pelos seus
legisladores, pois hoje se sabe que Moisés não foi o autor de todo o
Pentateuco.
Então argumentam os Sabatistas: se os Dez mandamentos são de origem divina e a
observação do sábado faz parte deles, por que os espíritas não guardam o
sábado? Não seria isso uma contradição?
Existem na Bíblia duas justificativas principais para o descanso sabático: A
primeira faz remontar ao descanso de Deus ao concluir a sua criação.
(Êxodo 20:8-11; Deuteronômio 5:12); a segunda justificativa coloca o descansar
no sétimo dia como um momento para o homem e os animais repousarem o corpo,
aliviarem-se das fadigas da semana. (Deuteronômio 5:14-15), até mesmo a terra
era deixada para descanso ao sétimo ano, afim de recompor os elementos perdidos
pelos seis anos de semeadura (Êxodo 23:10-11).
Qual dos dois itens realmente faz parte da ordem natural das coisas: o descanso
de Deus ou dos homens? É óbvio que Deus não descansou e muito menos cessou de
trabalhar como sugere a descrição mitológica do Gênesis.
A ciência já estimou, até o momento, através da análise de rochas muito antigas
que a idade do nosso planeta é de aproximadamente 4,54 bilhões de anos, muito
distante dos sete dias da Gênese mosaica e dos seis mil anos dos religiosos
tradicionais que se recusam a aceitar as evidências. Ao passo que, não somente
o homem, mas, todos os seres vivos têm uma necessidade natural de repouso.
Os Espíritos do Senhor [3], inspirando a inclusão na Torá [4], do descanso
sabático, quiseram impor um limite aos excessos dos homens rudes daquela época,
que impunham um trabalho incessante aos seus subordinados sem se importarem com
as consequências que o trabalho além do suportável pode acarretar. Isso fazia
com que os Hebreus ficassem pelo menos um dia longe do labor, proporcionando
aos filhos, escravos e animais uma folga merecida que, se não estivesse sob a
capa de um descanso divino provavelmente não seria acatado. O conhecimento dos
judeus sobre o mundo era absolutamente acanhado, estavam envolvidos por uma
mitologia adaptada das crenças dos povos mesopotâmicos, que muito antes dos
hebreus já dividam a semana em sete dias.
Outro benefício proporcionado pelo Shabat era o de reunir os homens em torno da
adoração monoteísta semanalmente, dificultando a influência dos cultos pagãos
sobre o povo [5], visto que na história dos hebreus o afastamento da crença em
Deus era muito frequente. Porém, com o tempo, os escribas e doutores Judeus
levaram essa observância ao extremo, colocando fardos excessivamente pesados
nos ombros do povo.
Por isso, Jesus quando interrogado pelos fariseus (Marcos 2: 27-28, 3:1-6)
respondeu: “O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado. O Filho
do Homem é Senhor também do sábado.” Ou seja, a instituição do Shabat foi
introduzida na Lei para atender as necessidades humanas segundo a lei natural
do repouso, sendo algo secundário em relação a vida humana. O objetivo era
proporcionar ao homem o refazimento das suas forças físicas e morais, por esse
motivo, em outro momento o Mestre ensinou que no “amor a Deus e ao próximo” já
estava contida toda a Lei.
Para a Doutrina Espírita, todos os dias são do Senhor. Deixando a
cada pessoa a escolha do dia ou do horário que lhe for mais adequado para a
adoração ao Criador e ao repouso dos afazeres cotidianos [6]. Esse
posicionamento não contradiz o preceito do sábado contido nos dez mandamentos, pois
o descanso (seja em que dia for) é uma lei natural para os seres vivos e
consequentemente, Divina.
Jefferson
Moura de Lemos
.[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Shabat.
[2] Todas as denominações cristãs que guardam o sábado.
[3] Ver nosso artigo: Abraão e os Espíritos do Senhor.
[4] Nome hebraico do Pentateuco.
[5] Levítico 23:3; 26:1-3; Números 28:9.
[6] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos perguntas 653 – 656 e 682 – 685.
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