“Logo se reconhecerá que o Espiritismo ressalta a cada passo do próprio texto das Escrituras Sagradas. Os Espíritos não vêm, pois, destruir a religião, como alguns o pretendem, mas, ao contrário, vêm confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis.” (O Livro dos Espíritos, questão 1010)

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

PEDRO E A CHAVE DOS CÉUS



“Eu te darei as chaves do reino dos céus: Tudo o que ligares na terra, será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” (Mateus 16:17)
          Na passagem acima, Jesus delega um poder extraordinário a Pedro, a capacidade de autorizar ou desautorizar a entrada de uma pessoa nos céus. A Igreja Católica Apostólica Romana acredita que os seus sacerdotes também herdaram esse poder, podendo excomungar ou perdoar os pecados de um fiel. Mas será que a Igreja realmente herdou a faculdade de “ligar e desligar” do apóstolo? Em que realmente consistia essa autoridade apostólica?
Vamos analisar os versículos na íntegra, do inicio da conversação entre Jesus e seus discípulos até a parte que culmina na transferência de poder a Pedro:

“Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: “no dizer do povo, quem é o Filho do homem?”- Responderam: “Uns dizem que é João Batista; outros Elias; outros, Jeremias, ou um dos profetas.” – Disse-lhes Jesus: “E vós, quem dizeis que eu sou?”- Simão Pedro, respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”– Jesus então lhe disse: “Feliz és, Simão filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue quem te revelou isto. Mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; – Eu te darei as chaves do reino dos céus: Tudo o que ligares na terra, será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.” – Depois ordenou aos seus discípulos que dissessem a ninguém que ele era o Cristo”. (Mateus 16:13 – 20) [1]
1 – Percebe-se claramente do texto que a pedra sobre a qual Jesus edificaria a sua Igreja seria a revelação, isto é, a confissão inspirada por Deus feita por Simão de que o Mestre Jesus é o Cristo. Já que a revelação foi recebida por Simão, o Senhor troca-lhe o nome por Pedro ou pedra (Cefas em Grego) [2]. Assim, a rocha não é o homem mais a ideia transmitida por ele e o seu novo nome é apenas o símbolo desse testemunho.
2 – Logo em seguida, Jesus transfere para Pedro a responsabilidade de vetar a entrada nos céus daqueles que ele julgar não merecedores. Essa autoridade é colocada exclusivamente nas mãos de Pedro não havendo alusão, em nenhuma parte, acerca de uma transferência posterior. No Evangelho Segundo João essa concessão é estendida também aos demais discípulos:

“Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes: “A paz esteja convosco!”- Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor. – Disse-lhes, outra vez: “A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós.” – Depois destas palavras soprou sobre eles dizendo-lhes: “Recebei o Espírito Santo. – Àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos.” (João 20:19-23)

          A capacidade de perdoar e reter pecados estendia-se igualmente a todos os companheiros de Pedro, ou seja, todos os apóstolos detinham as “chaves do reino dos Céus”. O que nos faz supor que Pedro não exercia uma primazia efetiva sobre os demais.
          Isso é constatado por diversas passagens onde Pedro realmente não exercia liderança ativa e Tiago muitas vezes comandava os concílios. Pedro era até repreendido em alguns momentos e em suas epístolas fez questão de igualar-se aos demais companheiros de ideal sem demonstrar primazia ou erigir um trono para si [3]. Disso resulta que a Igreja Católica Apostólica Romana, embora tenha o mérito de ter expandido o Cristianismo nos séculos seguintes, preservado e organizado os Evangelhos e ainda ter sido o ambiente de trabalho de vários espíritos elevados como o pobrezinho de Assis e a Madre Tereza, não poderia alegar para si a posse desse poder, já que a escritura sugere um ato pessoal e intransferível, que dizia respeito apenas aos apóstolos.
          Assim sendo, a Igreja utilizou-se erroneamente de um poder que verdadeiramente nunca teve, chegando até a privilegiar o Papa com uma infalibilidade ilegítima.
Pedro e os demais discípulos eram os instrumentos para que a pedra fundamental (a revelação de que Jesus era o Cristo) pudesse se perpetuar através da comunhão fraternal entre eles e da divulgação da Boa Nova.
3 – É preciso esclarecer ainda que essas chaves do Reino dos céus são puramente simbólicas, Pedro e os seus companheiros não poderia decidir quem vai e quem não vai para o céu a seu bel prazer, os apóstolos somente julgavam com certa exatidão os erros alheios porque estavam assessorados diretamente pelo Paráclito ou como é geralmente denominado de Espírito Santo e que para nós espíritas, representa a comunidade de Espíritos Superiores que assistiram os apóstolos naquele período. Isso dava a eles uma maior precisão ao discernir acerca dos diversos conflitos de interesse, individuais e coletivos, que possivelmente surgiam dentro da comunidade.
É o que se constata dessa outra passagem de Mateus em que Jesus se dirige aos seus discípulos:

“Se teu irmão tiver pecado contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele somente; se te ouvir, terás ganho teu irmão; Se não te escutar, toma contigo uma ou duas pessoas, a fim de que toda a questão se resolva pela decisão de duas ou três testemunhas. Se recusa ouvi-los, dize-o à igreja. E se recusa ouvir também a igreja, seja ele para ti como um pagão e um publicano. Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes sobre a terra será também desligado no céu. (Mateus 18:15-18)

          A Igreja a que se referem esses versículos era a comunidade dos doze discípulos ou assembleia dos apóstolos e não se refere às comunidades que se formariam posteriormente [4], o que fica bem claro nos versículos 18:1e 21e ainda nos versos 19-20: “Digo-vos ainda isto: se dois de vós (os discípulos) se unirem sobre a terra…”.
          Assim sendo, a sentença de entrar ou não no Reino dos Céus nada mais era do que admoestar e constatar aquilo que já existia no coração dos indivíduos. Atitudes e sentimentos morais que naturalmente não permitiriam o acesso aos planos espirituais elevados, pois os mecanismos de afinidade são os mesmos, tanto no plano físico quanto no ambiente espiritual, situando os indivíduos automaticamente em locais onde encontrarão outras criaturas que se afinizam com o seu modo de ser.
          Os próprios discípulos mesmo tendo uma elevada assistência espiritual não eram invulneráveis aos erros, seguindo o próprio coração em muitos momentos, dando margens a conflitos internos na própria assembleia. Então, Seria muita imprevidência de Jesus, disseminar um poder dessa magnitude às lideranças posteriores aos discípulos, conhecendo como conhecia o coração humano. Sabendo que frequentemente os homens colocam os interesses políticos e pessoais acima dos interesses reais do reino divino. A História nos informa que essas passagens foram utilizadas pela Igreja por séculos para oprimir e submeter os fiéis. Mesmo os reis tremiam diante do Papa e poucos ousavam questionar o poder temporal da Igreja sob as ameaças de excomunhão.
          Desse modo, a tradição das chaves e a sucessão apostólica se perpetuaram, inicialmente para combater os diversos movimentos cristãos contrários à teologia Católica e posteriormente, para servir puramente aos benefícios temporais da Igreja, em detrimento das preocupações genuinamente espirituais.





Jefferson Moura de Lemos







[1] Bíblia Sagrada, tradução dos originais mediante a versão dos Monges de Maredsous (Bélgica) pelo Centro Bíblico Católico. Editora “Ave Maria” 42ª edição.
[2] Cefas é a transliteração do aramaico Kepha.
[3] Atos 2: 42- 47; 8: 14; 11:1-2; 21:18; 1 Pedro 1:1; 5.1
[4] Igreja ou Eclésia é uma palavra grega que significa originalmente assembleia, reunião de pessoas e não se refere à Igreja Católica Apostólica Romana, pois que essa instituição ainda não existia. É a transliteração do Hebraico “Qehal” que quer dizer originalmente “chamados para fora” quando os hebreus do deserto eram chamados por Moisés para fora de suas tendas a fim de se reunirem em assembleia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja

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