“Logo se reconhecerá que o Espiritismo ressalta a cada passo do próprio texto das Escrituras Sagradas. Os Espíritos não vêm, pois, destruir a religião, como alguns o pretendem, mas, ao contrário, vêm confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis.” (O Livro dos Espíritos, questão 1010)

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

PAULO E A RESSURREIÇÃO ESPIRITUAL


      O judaísmo se desenvolveu assimilando e adaptando muito dos fundamentos religiosos e culturais dos povos politeístas que existiam ao redor dos assentamentos hebreus.

      Essas sociedades elaboraram varias histórias sobre homens especiais ou semideuses, que puderam adentrar fisicamente no mundo espiritual, descendo [1] ao mundo dos mortos ou subindo à residência dos deuses. O judaísmo também incorporou em sua mitologia heróis que foram transferidos corporalmente para a morada divina. Como aconteceu com o lendário Henoc e o profeta Elias.


         Entretanto, os antigos não notavam a impossibilidade de um corpo biológico viver num ambiente puramente espiritual. As tradições escritas, recuperadas pelos historiadores demonstram que não havia realmente essa preocupação.

          Todavia, as passagens do Novo Testamento referentes ao apóstolo Paulo evidenciam que ele preocupou-se com esse detalhe, desenvolvendo no decorrer do seu apostolado o conceito de corpo espiritual [2]. Se havia um corpo material, deveria existir também um corpo espiritual, o primeiro é da terra, o segundo é do céu raciocinava (1Coríntios 15:49). É provável que o convertido de Damasco tenha passado a investigar a existência dessa substância a partir do impacto que a visão luminosa de Jesus deixou registrado em sua mente. Ora, se Jesus ressuscitou corporalmente, de acordo com a informação dos discípulos, como apareceu de maneira semelhante a um ser espiritual? Talvez alguma transformação devesse ter se operado em seu corpo ressurreto, possibilitando esse fenômeno.

          Essa conclusão não se tratava apenas de uma dedução metafísica, havia relatos testemunhais que confirmavam a existência desse segundo corpo, colhidos ou constatados pelo próprio Paulo durante as suas andanças. Como se pode verificar em algumas passagens:

“Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor. – Conheço um homem em Cristo que há catorze anos (se no corpo, não sei, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao terceiro céu. E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) – Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar.” (2 Coríntios 12:1-4)

        A dúvida se o dito homem foi levado em um corpo sutil expõe claramente que essa possibilidade era plausível. Outro acontecimento interessante é narrado no livro de Atos 16:9 quando o apóstolo recebe a visita em espírito de um jovem macedônio, que também passava por uma experiência fora do corpo. Na visão, o rapaz pede para Paulo se dirigir à Macedônia e levar seus ensinamentos: “Passa à Macedônia e ajuda-nos”. Esses fenômenos sugeriam que o corpo espiritual constituía parte essencial do ser humano, podendo ausentar-se provisoriamente, sem que o indivíduo passasse obrigatoriamente pela morte. Isso implicava imortalidade da alma, crença que Saulo já conhecia quando pertencia à seita dos Fariseus.

          Desse modo, o apóstolo dos gentios passou a ensinar que os mortos vão ressuscitar já transformados, revestidos desse segundo corpo, quer dizer, a ressurreição não seria em carne, mas, consistia numa manifestação visível e definitiva dos espíritos dos que morreram [3]:

“Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão?” – “Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção.” – “E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial.” (1 Coríntios 15:35;42;49) – “Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; À universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados.” (Hebreus 12:22-23)

        Quanto aos vivos, Paulo ensinava que teriam necessariamente que passar por uma transformação ainda na carne, perdendo as características materiais, visto que o corpo físico não poderia existir numa esfera imaterial: “Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais” – “E agora digo isto, irmãos: que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção.” (1 Coríntios 15:48;50).

          Assim, sendo, as antigas afirmações de que pessoas poderiam ascender fisicamente ao céu foram rechaçadas e o apóstolo vê nesses personagens pessoas que foram espiritualmente transladadas. Na sua epístola aos hebreus 11:4-11, ele faz uma lista de personagens destacados pela sua fé incluindo Henoc dizendo: “Pela fé Enoque foi trasladado para não ver a morte, e não foi achado, porque Deus o trasladara” (Hebreus 11:5). Só que mais adiante esclarece: “Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra” (Hebreus 11:13). Ou seja, segundo ele acreditava, Henoc não passou por uma morte normal, seu corpo não sofreu decomposição pela terra como acontece com todos, mais foi transformado ainda vivo, perdendo o componente biológico e tornando-se completamente uma criatura espiritual [4], morrendo fisicamente como todos os homens. Partindo desses raciocínios, Paulo acreditava, quando escreveu essas cartas, que Cristo retornaria estando ele ainda vivo e todos os seus contemporâneos passariam pela mudança, isto é, pela substituição completa do corpo material pela substância espiritual:

“Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos [5], mas todos seremos transformados; – Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. – Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. – E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória.” (1 Coríntios 15:51-54) [6]

       Entretanto, Jesus não retornou na época de Paulo. Na realidade, o Apóstolo das gentes anteviu de maneira imperfeita (1 Coríntios 13:9-10) o futuro da humanidade, quando o mundo será habitado exclusivamente por seres espirituais aperfeiçoados [7]. Atualmente todos ressuscitam após a morte, ou seja, retornam ao plano espiritual revestidos do envoltório perispírito. Em outras palavras, desencarnar é ressuscitar, só que provisoriamente, pois a reencarnação ainda é uma necessidade. Transitando entre dois mundos, um denso e outro fluídico, tornamo-nos invisíveis na maioria das vezes para os que ficam encarnados. No futuro, todos estarão unidos, pois não haverá mais desencarne nem reencarnação na terra, já que todos estarão vivendo definitivamente na vida espiritual, num lugar purificado e renovado pelo afastamento dos espíritos que não quiseram evoluir. Com a evolução, a matéria dos corpos físicos irá tornar-se gradativamente cada vez mais rarefeita e no final restará apenas o perispírito como veículo de manifestação dos moradores do orbe terreno, que também estará igualmente menos denso e espiritualizado.

            Essa futura vida puramente espiritual é testificada nas seguintes palavras de Jesus:

“E, respondendo Jesus, disse-lhes: Os filhos deste mundo casam-se, e dão-se em casamento; Mas os que forem havidos por dignos de alcançar o mundo vindouro, e a ressurreição dentre os mortos, nem hão de casar, nem ser dados em casamento; Porque já não podem mais morrer; pois são iguais aos anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição.” (Lucas 20:34-36)




Jefferson Moura de Lemos






Referências e notas:


[1] Para os antigos, o espírito descia para um mundo espiritual debaixo da terra denominado pelos hebreus de Xeol. E assim como seu equivalente mesopotâmico o Arallu, a vida do espírito no Xeol era temida e não desejável, pois o morto vagava como uma espécie de sombra, sem o contato frequente com os vivos e sem os prazeres da vida corpórea, então ter uma vida longa era a maior benção que um mortal poderia ter. Daí o pessimismo que muitos textos do antigo testamento demonstram pelo post-mortem levando muitos estudiosos a negarem erroneamente a crença na imortalidade da alma nesses documentos. O próprio Jesus desceu em espírito ao Xeol ou mansão dos mortos e pregou aos espíritos em prisão (Efésios 4:8-10; 1 Pedro 3:18-19; Hebreus 13:20)

[2] No espiritismo o corpo espiritual é chamado de períspirito.

[3] Após a morte de Jesus, vários espíritos materializados se mostraram às pessoas e estas por não compreenderem o fenômeno julgaram que eles haviam sido ressuscitados corporalmente. Nenhuma escritura posterior falou mais sobre esses ressuscitados o que demostra que eram aparições temporárias de espíritos (Mateus 27:50-53).

[4] Eclesiástico 44:16; Sabedoria 4: 10-11

[5] Entre os costumes dos povos do oriente médio, e não somente dos judeus, a morte era comparada com o sono em referência somente aos despojos físicos, que voltavam ao solo de onde provieram.

[6] Ver também: 2 Coríntios 5:6-8; Filipenses 3:20-21; Romanos 8:21

[7] Hebreus 1:10-12; Isaías 65:17; 2 Pedro 5: 10-13 – O Evangelho Segundo o Espiritismo cap. 3 itens 3 a 19; A Gênese Cap. 11 item 27,28; O Livro dos Espíritos questões 41, 591, 601. Todos de Allan Kardec.

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