O judaísmo se desenvolveu
assimilando e adaptando muito dos fundamentos religiosos e culturais dos povos
politeístas que existiam ao redor dos assentamentos hebreus.
Essas sociedades elaboraram varias histórias sobre homens especiais ou
semideuses, que puderam adentrar fisicamente no mundo espiritual, descendo [1]
ao mundo dos mortos ou subindo à residência dos deuses. O judaísmo também
incorporou em sua mitologia heróis que foram transferidos corporalmente para a
morada divina. Como aconteceu com o lendário Henoc e o profeta Elias.
Entretanto, os antigos não notavam a impossibilidade de um corpo
biológico viver num ambiente puramente espiritual. As tradições escritas,
recuperadas pelos historiadores demonstram que não havia realmente essa
preocupação.
Todavia, as passagens do Novo Testamento referentes ao apóstolo Paulo evidenciam que ele preocupou-se com esse detalhe, desenvolvendo no decorrer do seu apostolado o conceito de corpo espiritual [2]. Se havia um corpo material, deveria existir também um corpo espiritual, o primeiro é da terra, o segundo é do céu raciocinava (1Coríntios 15:49). É provável que o convertido de Damasco tenha passado a investigar a existência dessa substância a partir do impacto que a visão luminosa de Jesus deixou registrado em sua mente. Ora, se Jesus ressuscitou corporalmente, de acordo com a informação dos discípulos, como apareceu de maneira semelhante a um ser espiritual? Talvez alguma transformação devesse ter se operado em seu corpo ressurreto, possibilitando esse fenômeno.
Essa conclusão não se tratava apenas de uma dedução metafísica, havia
relatos testemunhais que confirmavam a existência desse segundo corpo, colhidos
ou constatados pelo próprio Paulo durante as suas andanças. Como se pode
verificar em algumas passagens:
“Em verdade que não convém gloriar-me; mas
passarei às visões e revelações do Senhor. – Conheço um homem em Cristo que há
catorze anos (se no
corpo, não sei, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi
arrebatado ao terceiro céu. E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do
corpo, não sei; Deus o sabe) – Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras
inefáveis, que ao homem não é lícito falar.” (2 Coríntios 12:1-4)
A dúvida se o dito homem foi levado em um
corpo sutil expõe claramente que essa possibilidade era plausível. Outro
acontecimento interessante é narrado no livro de Atos 16:9 quando o apóstolo
recebe a visita em espírito de um jovem macedônio, que também passava por uma
experiência fora do corpo. Na visão, o rapaz pede para Paulo se dirigir à
Macedônia e levar seus ensinamentos: “Passa
à Macedônia e ajuda-nos”. Esses fenômenos sugeriam que o corpo
espiritual constituía parte essencial do ser humano, podendo ausentar-se
provisoriamente, sem que o indivíduo passasse obrigatoriamente pela morte. Isso
implicava imortalidade da alma, crença que Saulo já conhecia quando pertencia à
seita dos Fariseus.
Desse modo, o apóstolo dos gentios passou a ensinar que os mortos vão
ressuscitar já transformados, revestidos desse segundo corpo, quer dizer, a
ressurreição não seria em carne, mas, consistia numa manifestação visível e
definitiva dos espíritos dos que morreram [3]:
“Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os
mortos? E com que corpo virão?” – “Assim também a ressurreição dentre os
mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará
em incorrupção.” – “E, assim como trouxemos a imagem do
terreno, assim traremos também a imagem do celestial.” (1 Coríntios
15:35;42;49) – “Mas chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à
Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; À universal assembléia e
igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de
todos, e aos espíritos
dos justos aperfeiçoados.” (Hebreus 12:22-23)
Quanto aos vivos, Paulo ensinava que teriam
necessariamente que passar por uma transformação ainda na carne, perdendo as
características materiais, visto que o corpo físico não poderia existir numa
esfera imaterial: “Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o
celestial, tais também os celestiais” – “E
agora digo isto, irmãos: que a carne e o sangue não podem herdar o reino de
Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção.” (1 Coríntios
15:48;50).
Assim, sendo, as antigas afirmações de que pessoas poderiam ascender
fisicamente ao céu foram rechaçadas e o apóstolo vê nesses personagens pessoas
que foram espiritualmente transladadas. Na sua epístola aos hebreus 11:4-11,
ele faz uma lista de personagens destacados pela sua fé incluindo Henoc
dizendo: “Pela fé Enoque foi trasladado para não ver a morte, e não foi achado,
porque Deus o trasladara” (Hebreus 11:5). Só que mais adiante esclarece: “Todos estes morreram na fé,
sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e
abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra” (Hebreus
11:13). Ou seja, segundo ele acreditava, Henoc não passou por uma morte normal,
seu corpo não sofreu decomposição pela terra como acontece com todos, mais foi
transformado ainda vivo, perdendo o componente biológico e tornando-se
completamente uma criatura espiritual [4], morrendo fisicamente como todos os
homens. Partindo desses raciocínios, Paulo acreditava, quando escreveu essas
cartas, que Cristo retornaria estando ele ainda vivo e todos os seus
contemporâneos passariam pela mudança, isto é, pela substituição completa do
corpo material pela substância espiritual:
“Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade,
nem todos dormiremos [5], mas todos seremos
transformados; – Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante
a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão
incorruptíveis, e nós seremos transformados. – Porque convém que isto que é corruptível se revista
da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade.
– E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto
que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está
escrita: Tragada foi a morte na vitória.” (1 Coríntios 15:51-54) [6]
Entretanto, Jesus não retornou na época de
Paulo. Na realidade, o Apóstolo das gentes anteviu de maneira imperfeita (1
Coríntios 13:9-10) o futuro da humanidade, quando o mundo será habitado
exclusivamente por seres espirituais aperfeiçoados [7]. Atualmente todos
ressuscitam após a morte, ou seja, retornam ao plano espiritual revestidos do
envoltório perispírito. Em outras palavras, desencarnar é ressuscitar, só que
provisoriamente, pois a reencarnação ainda é uma necessidade. Transitando entre
dois mundos, um denso e outro fluídico, tornamo-nos invisíveis na maioria das
vezes para os que ficam encarnados. No futuro, todos estarão unidos, pois não
haverá mais desencarne nem reencarnação na terra, já que todos estarão vivendo
definitivamente na vida espiritual, num lugar purificado e renovado pelo
afastamento dos espíritos que não quiseram evoluir. Com a evolução, a matéria
dos corpos físicos irá tornar-se gradativamente cada vez mais rarefeita e no
final restará apenas o perispírito como veículo de manifestação dos moradores do
orbe terreno, que também estará igualmente menos denso e espiritualizado.
Essa futura vida puramente espiritual é testificada nas seguintes palavras de Jesus:
“E, respondendo Jesus, disse-lhes: Os filhos
deste mundo casam-se, e dão-se em casamento; Mas os que forem havidos por
dignos de alcançar o mundo vindouro, e a ressurreição dentre os mortos, nem hão
de casar, nem ser dados em casamento; Porque já não podem mais morrer; pois são
iguais aos anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição.” (Lucas
20:34-36)
Jefferson Moura de
Lemos
Referências e notas:
[1] Para os antigos, o espírito descia para
um mundo espiritual debaixo da terra denominado pelos hebreus de Xeol. E assim
como seu equivalente mesopotâmico o Arallu, a vida do espírito no Xeol era
temida e não desejável, pois o morto vagava como uma espécie de sombra, sem o
contato frequente com os vivos e sem os prazeres da vida corpórea, então ter
uma vida longa era a maior benção que um mortal poderia ter. Daí o pessimismo
que muitos textos do antigo testamento demonstram pelo post-mortem levando
muitos estudiosos a negarem erroneamente a crença na imortalidade da alma
nesses documentos. O próprio Jesus desceu em espírito ao Xeol ou mansão dos
mortos e pregou aos espíritos em prisão (Efésios 4:8-10; 1 Pedro 3:18-19;
Hebreus 13:20)
[2] No espiritismo o corpo espiritual é
chamado de períspirito.
[3] Após a morte de Jesus, vários espíritos materializados se mostraram às pessoas e estas por não compreenderem o fenômeno julgaram que eles haviam sido ressuscitados corporalmente. Nenhuma escritura posterior falou mais sobre esses ressuscitados o que demostra que eram aparições temporárias de espíritos (Mateus 27:50-53).
[4] Eclesiástico 44:16; Sabedoria 4: 10-11
[5] Entre os costumes dos povos do oriente
médio, e não somente dos judeus, a morte era comparada com o sono em referência
somente aos despojos físicos, que voltavam ao solo de onde provieram.
[6] Ver também: 2 Coríntios 5:6-8; Filipenses
3:20-21; Romanos 8:21
[7] Hebreus 1:10-12; Isaías 65:17; 2 Pedro 5: 10-13 – O Evangelho Segundo o Espiritismo cap. 3 itens 3 a 19; A Gênese Cap. 11 item 27,28; O Livro dos Espíritos questões 41, 591, 601. Todos de Allan Kardec.
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